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Maison de retraite (Lar de idosos) - um filme de Ismaël Césaire Nebyinga Kafando
Fespaco 2019
critique
rédigé par Luísa Fresta
publié le 20/02/2019
Luísa Fresta, Africiné Magazine
Luísa Fresta, Africiné Magazine
Ismaël Césaire Nebyinga Kafando, realizador da Burkina Faso
Ismaël Césaire Nebyinga Kafando, realizador da Burkina Faso

"A minha maneira de viver é acreditando no futuro ; se eu fosse fatalista, não era cineasta. Nada me levava a fazer cinema. Fui eu que escolhi. Queria ver coisas e mostrá-las. Quando se tem essa curiosidade, não se pode ser fatalista ".
Souleymane Cissé (excerto do artigo de Moussa Bolly para Africiné Magazine).


O maior festival africano de cinema traz-nos, na sua 26ª edição, algumas belas surpresas que merecem um olhar mais atento. Estamos a referir-nos ao FESPACO 2019, que decorre em Ouagadougou, Burkina Faso, de 23 de fevereiro a 3 de março do presente ano. Na categoria "escolas africanas de cinema", descobrimos Maison de retraite, a curta-metragem de ficção de Ismaël Césaire Nebyinga Kafando (já apresentada em outros festivais), entre outras duas do Burkina Faso, às quais dedicaremos igualmente uma breve nota.

Recordo as palavras de Cheick Fantamady Camara, realizador da Guiné Conakry desaparecido em 2017, que nos deixou um testemunho pessoal sobre o cinema no continente, a propósito da rodagem dos seus dois filmes e das dificuldades encontradas na prossecução desses projetos: o cineasta insistia na necessidade imperiosa de formação dos jovens realizadores no continente, e quando olhamos para estas obras, oriundas das escolas em África, não podemos deixar de pensar nas suas declarações premonitórias e esperançosas e na visão de futuro que lhes é inerente.

Maison de retraite é um filme conciso e realista sobre a situação dos idosos no continente, à luz do que se passa hoje nas modernas urbes africanas. Não é um problema novo nem é especificamente de África; aliás, tradicionalmente, o continente africano tem feito prova, ao longo de séculos, de uma sabedoria inata e quase espontânea para lidar com a questão da terceira idade: se por um lado nos parece que tal costume está diretamente relacionado com o respeito devido aos mais velhos - a roçar a veneração - e a consideração pela experiência de vida e sabedoria dos idosos, atribuindo-lhes funções de elevada responsabilidade na esfera familiar e comunitária, por outro, muitos países africanos são constituídos essencialmente por pessoas jovens e os séniores não estão presentes em número suficientemente grande a ponto de causarem embaraços aos sistemas de Segurança Social dos países e de sugerirem novos desafios de gestão social, ou em matéria e saúde.

Com o advento da modernização e da globalização, as sociedades, africanas incluídas, deixaram de ter um espaço próprio e privilegiado para grande parte dos seus idosos. Tal como em muitos países ocidentais, estes passaram a ser vistos como um fardo para as famílias, mais pequenas, estruturadas em torno de um núcleo, que deixa de considerar uma mais-valia um ser humano que já não é produtivo e não acrescenta realmente algo de significativo à economia familiar - e essa abordagem em forma de alerta parece-nos muito clara na mensagem do jovem cineasta.

O filme de Nebyinga Kafando traz a lume esta questão, cada vez mais atual: quais os desafios para os mais jovens (adultos em idade ativa) e para a sociedade em geral no que diz respeito ao acompanhamento dos mais velhos nos dias de hoje e num futuro próximo, nomeadamente em África, quando a doença bate à porta e o idoso, já algo afastado do convívio da família nuclear, se torna ainda mais excluído por via da invalidez?
Não existem soluções miraculosas: grande parte das mulheres têm um emprego formal, a par dos homens, e nem uns nem outros dispõem realmente de tempo (nem propriamente de vontade ou vocação) para alargar a relação familiar a um terceiro elemento fragilizado, privando-se da relação de intimidade de casal, que é sentida como aquela que deve ser resguardada acima de qualquer outra. Deverá a harmonia do lar e a relação marido/mulher permanecer intacta e prevalecer sobre tudo e todos? Ou, pelo contrário, existindo laços de sangue (ou de criação) diretos/próximos, afeto e dívidas de gratidão, o idoso, doente ou incapacitado, deverá ser (ou continuar a ser) incluído na rotina das famílias? Como partilhar a responsabilidade dos cuidados entre a família - a primeira linha de cuidadores - o Estado e o setor privado de assistência (serviços, associações ou instituições particulares de solidariedade social)?
A vida deve ser preservada a todo o custo, na ótica da medicina moderna e do pensamento dominante, porém, até onde poderá o ser humano viver com dignidade, ser objeto de estima e respeito por parte da família e possuir alguma autonomia, por mínima que seja, na tomada de decisões tão simples como a escolha do tipo de sumo? É espantoso constatar como se consegue, em apenas 13 minutos, pôr o dedo na ferida e incentivar o debate. Enquanto uns se mostram chocados com a ideia da existência de lares de idosos no contexto local, outros reagem bem à ideia como símbolo de progresso.

Uma palavra de apreço também para a equipa técnica e todos os atores, sem exceção, destacando o papel do pai/avô idoso, pela sua expressividade e realismo, magnificamente assumido pelo ator veterano Serge Henry.
Neste filme fala-se também da infantilização dos idosos e da ostracização subtil e progressiva a que são votados muitos deles, que deixam de ser informados das peripécias e dos acontecimentos na esfera da família, ou, dizendo de outro modo, deixam simplesmente de contar ("[…] Quand elle était là, toute la famille se retrouvait et maintenant je ne compte pour personne!"/ "[…] Quando ela cá estava toda a família se reunia e agora já ninguém me dá importância").

A terceira idade e tudo o que lhe é associado não pode nem deve ser tabu. Todos nós para lá caminhamos, alguns já se adiantaram e esperam-nos mais à frente, para nos explicarem como se (sobre)vive numa idade mais avançada. Outros ficaram pelo caminho e por isso serão eternamente jovens - numa fotografia. A Lar de idosos (Maison de retraite) poderá ser o destino de cada um de nós. Mas por agora é a história de Nebyinga Kafando, vivida numa tela.

Luisa Fresta

Ficha técnica:
Título provisório : "Maison de retraite" (Lar de idosos)
Género : Ficção
Língua : Francês
Suporte : DVD, chave USB.
Formato : 16/9
Público alvo : todos os públicos
Duração : 13 minutos
Ano de produção : 2016
Conceção/realização : Nebyinga KAFANDO
Produção : ISIS (com o apoio de Africalia)

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